ARTIGO

EDUCAÇÃO FÍSICA NA INFÂNCIA: AÇÃO DE CRIANÇAS REDUZ RISCOS CARDIOVASCULARES DOS PAIS

Isis Nóbile Diniz
Edição Impressa 185 - Julho 2011

A maternidade acentuou a vontade da cardiologista Luciana Savoy Fornari de ingressar profissionalmente no mundo infantil. Ao nascer o primeiro filho, a médica percebeu em casa a transformação que uma criança gera no ambiente familiar. E, pensou, “até que ponto o filho pode influenciar a saúde dos pais?” Ao contrário das questões comuns de como os adultos exercem poder sobre as ações das crianças, a pesquisadora, que faz parte da equipe do cardiologista Bruno Caramelli, do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP), resolveu estudar o quanto os filhos podem contribuir para uma melhor qualidade de vida do pai e da mãe. Por meio de um programa educacional infantil, o grupo teve uma resposta surpreendentemente afirmativa. Ensinar as crianças sobre os riscos cardiovasculares pode diminuir em cerca de 90% o risco de os pais apresentarem doenças relativas ao coração.
O resultado faz parte de um estudo que será exposto no Congresso Europeu de Cardiologia, em agosto deste ano. A equipe avaliou a eficácia de um programa multidisciplinar educacional para as crianças na prevenção de riscos cardiovasculares dos pais. Os cientistas submeteram dois grupos de alunos com idade entre 6 e 10 anos de uma escola particular de Jundiaí, a 60 quilômetros de São Paulo, a duas abordagens distintas. Pais de estudantes (grupo de controle) do período da manhã receberam folhetos educativos com orientações sobre alimentação saudável, a importância de evitar o tabaco e de realizar atividades físicas. Aos respectivos alunos nada foi transmitido.
Já o treinamento do segundo grupo, chamado de intervenção, incluiu um passo a mais. Além dos folhetos dados aos pais, as crianças do período vespertino assistiram a palestras e realizaram atividades sobre prevenção cardiovascular durante o ano de 2010. Nutricionistas ensinavam como seguir uma alimentação saudável na cantina. Nas aulas de educação física, fisioterapeutas explicavam por que é importante praticar atividades físicas. Encenações de peças de teatro e um passeio ciclístico, em conjunto com os pais, reforçaram as aulas. “Mas em momento algum foi dito às crianças para cobrarem dos pais essas atitudes saudáveis”, diz Luciana.
Os pesquisadores já esperavam que esse trabalho repercutisse positivamente em casa. Nos Estados Unidos, na década de 1990, os colégios incluíram no currículo aulas sobre qualidade de vida que ensinam aos alunos como se alimentar melhor. Pesquisadores acompanharam esse programa percebendo uma mudança de comportamento. No Brasil, muitas escolas transmitem informações de preservação ambiental e atitudes adequadas no trânsito, repetidas pelos estudantes aos pais. “Aliás, em algumas rodovias há placas com imagens de crianças e frases destinadas aos pais que dirigem, com o intuito de evitar acidentes. Isso nos inspirou”, afirma Caramelli.
O grupo disse aos responsáveis pelas crianças que o estudo iria avaliar os fatores de riscos cardiovasculares na família, e assim necessitariam de dados de todos. Os pais (323 no total, idade média de 40 anos) autorizaram a participação dos filhos (197), mas desconheciam o fato de os adultos serem o objeto do estudo. Escala de Framingham – cálculo que mostra a probabilidade de a pessoa sofrer alguma doença cardiovascular –, exames laboratoriais, questionário nutricional e de práticas físicas, medidas de peso, altura, circunferência abdominal e pressão arterial foram usados como comparação no início e no final do ano letivo.

Mais saudáveis - Depois do programa educacional, 91% dos pais do grupo de intervenção deixaram o estágio de alto risco com relação às doenças cardiovasculares segundo a escala de Framingham, enquanto a diminuição foi de 13% no grupo controle. Além disso, a redução do risco médio de sofrer problemas cardiovasculares diminuiu de 3,53% para 2,8% no primeiro grupo, enquanto no outro o problema permaneceu praticamente o mesmo, em torno de 4,5%. “As crianças comentavam com os pais qual seria a melhor refeição, o que deveriam comprar no supermercado”, conta Caramelli. As atitudes cobradas pela filha de 7 anos de Karina Martins Caires, 31 anos, por exemplo, mudaram os hábitos da família inteira. “A gente comia pizza ou lanche três vezes por semana. Agora ingerimos massa apenas aos sábados ou domingos. Meu marido e eu até voltamos a fazer academia”, revela Karina.
“Toda vez que era apresentada uma aula sobre o tema, minha filha chegava em casa falando da importância do que aprendeu, como não fumar. Se via alguém fumando na rua, comentava que isso faz mal à saúde”, afirma a mãe. No supermercado, a garota pedia para comprar mais frutas e hortaliças. “Até hoje, quase seis meses após a pesquisa, ela fala que a gente deve substituir a sobremesa por frutas”, conta.
Na Páscoa, a menina disse que os pais deveriam doar parte dos ovos, porque eram muitos para os três. Cada membro da família come um pedaço de chocolate por dia. Quando Karina quer mais um, a garota reforça: “Não se esqueçam de que sou a fiscal do coração”, como aprendeu na escola. “Se a atitude de ingerir alimentos mais saudáveis está partindo dela, nós, pais, precisamos seguir para dar o exemplo. Ela é uma criança mais consciente”, acredita.
“A relação familiar é muito importante. Por isso as crianças podem exercer a prevenção que os médicos não conseguem transmitir aos pacientes apesar de afirmar que as doenças cardiovasculares são as que mais matam”, completa o cardiologista. “Claro que há fatores genéticos de risco cardiovascular, mas mudar o hábito da família pode ajudar a diminuí-los”, diz Luciana. Agora a equipe pretende viabilizar o programa de prevenção de riscos cardiovasculares em escolas públicas. E, mais adiante, analisar os efeitos dessa educação no longo prazo.

O Projeto
A educação dos filhos como instrumento terapêutico na redução do risco cardiovascular dos pais – n° 2009/17450-3O


FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4470&bd=1&pg=1&lg





EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR AINDA NÃO É VISTA COMO PRIORIDADE

Por Rosilda Bernardo Mde Souza




Toda aula de educação física é a mesma coisa. Uma turma corre para bater uma bola e se desestressar; outra parte arrasta os pés para chegar à quadra de esportes, isso quando não simula uma dor de barriga para escapar. Enquanto, em algumas disciplinas, os alunos quebram a cabeça para aprender expressões numéricas, regras de crase ou o processo da mitose celular, é na educação física que crianças e adolescentes podem exercitar o corpo, sem provas ou estudos. Ainda assim, muitos torcem o nariz quando chega a hora de correr para o pátio. Por quê?
Para o presidente do Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber, não há apenas uma resposta para a questão. Um dos motivos é que não é passada para os estudantes a importância dessa disciplina.
"Você pode não gostar de matemática ou de português, mas estuda por saber que é importante para a sua vida", compara. Se o aluno tiver consciência de que com a educação física ele tem mais disposição, fica menos doente, ele acaba aderindo à proposta.
Outro ponto a ser melhorado nas aulas de educação física são os esportes oferecidos. É preciso diversificar. "Não apenas futebol para os meninos, e vôlei para as meninas", exemplifica o também ex-assessor de educação física na secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro. Nesse caso, os mais hábeis acabam jogando, e os outros simplesmente não gostam. A ideia é que a disciplina tente ir ao encontro dos interesses do aluno. Steinhilber dá a dica: "Em aula, pode-se discutir a violência dos estádios".
Nos colégios privados, o presidente do conselho nota uma situação ainda mais complicada. Por entender que os estudantes têm condições de pagar espaços para desenvolver atividades físicas, muitas vezes a escola abre mão de oferecer a disciplina ou possibilita substituir a presença na educação física por um exercício fora. "Aí você perde a função agregadora da matéria, o papel como formadora de cidadania e conscientizadora da qualidade de vida", lamenta o professor. "Se eu vou a um clube jogar futebol, eu vou apenas aprender a jogar futebol e perco o conteúdo da cidadania, que é parte do objetivo da escola", completa.
Por serem atividades normalmente coletivas, a educação física é também um bom momento para avaliar o comportamento dos estudantes. Ali se podem notar os extrovertidos, os tímidos, os que estão com dificuldade de se integrar no grupo.
Nos colégios públicos, há também falhas quanto ao ensino da educação física. Existem os casos extremos, como quando a disciplina nem consta na grade. "Às vezes é por falta de espaço físico, outras por falta de professores", explica o presidente do Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber.
Segundo o especialista, uma das causas para a questão é que a educação física ainda não é não é vista como prioridade. Por falta de políticas públicas focadas na disciplina, ela carece de metas curriculares claras dentro do ensino público. "Uma coisa puxa a outra: enquanto o governo não vê importância na disciplina, não se desenvolve um currículo voltado à promoção da saúde", explica. Assim, as aulas acabam tendo um tom recreativo ou são completamente voltadas à atividade esportiva, sem a busca por um projeto pedagógico de qualidade de vida.
A valorização da educação física poderia ajudar a combater a obesidade o sedentarismo, e os jovens poderiam ser mais bem orientados para uma vida mais ativa. "Não sou contra o computador, mas a tecnologia nos levou a um desgaste, a uma ’desqualidade’ de vida física e temos que equilibrar essa situação", alerta. "Podemos ter toda modernidade, mas com a consciência de que não se pode deixar o corpo enferrujar".